A VENDA DAS REFINARIAS DA PETROBRAS
As refinarias da Petrobras têm passado por um processo de privatização, intensificado recentemente frente às iniciativas governamentais que preveem os procedimentos de desestatização como resposta à crise econômica nacional. Assim, de um total de 13 refinarias, em junho foi aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a privatização de quatro delas, e em setembro anunciada a venda de outras quatro, o que representaria ao total pouco mais de 60% da capacidade de refino nacional e uma capacidade de refino de cerca de 1,1 milhão de barris diários. As oito unidades em questão são a Refap, no Rio Grande do Sul, a Rnest, em Pernambuco, a Rlam, na Bahia, a Regap, em Minas Gerais, a Repar, no Paraná, a Reman, no Amazonas, a Lubnor, no Ceará e a SIX, no Paraná, e seu processo de desinvestimento deverá ser concluído em até 24 meses.
Essa onda de privatização das refinarias dentro da empresa também engloba as operações de logística que ao refino estão relacionadas (infraestrutura de armazenamento e distribuição) e a alienação do controle da BR Distribuidora por meio da oferta de ações, podendo ser encarada como uma continuação das medidas que levaram à redução do volume de refino em até 40% nos últimos anos. Seguindo o que já fora estabelecido no Termo de Compromisso de Cessação de Prática, ficou definido que podem participar dos processos de aquisição empresas do setor de óleo e gás e investidores financeiros que satisfaçam requisitos de receita anual mínima ou valor mínimo em ativos sob gestão, respectivamente. A venda também não poderá ser efetivada para um mesmo grupo, garantindo que não haverá uma reconcentração do mercado.
É importante salientar que todas essas privatizações não violam nenhuma lei e têm sido conduzidas de maneira legal e judicialmente pertinente. O monopólio das atividades de refino no país, ainda que aconteça na prática e seja detido pela Petrobras, não é um monopólio legal. Esse monopólio foi quebrado em 1997 por meio da Lei 9.478/97. Contudo, a concentração das atividades pela empresa estatal até os dias atuais (que girava em torno de 90% de toda a capacidade de refino nacional), a colocava na posição de maior responsável pelo desempenho da atividade no país. Isso siginifica que a estatal se via obrigada, mesmo que indiretamente, a manter um nível mínimo de investimento que garantisse a manutenção dessa capacidade de refino em escala nacional e ainda era contabilizada como a maior, senão única responsável pela política de preços dos combustíveis e demais derivados do petróleo.
Sendo assim, para alguns analistas a desestatização não é de toda negativa, pois ao promover a desconcentração de mercado que hoje existe na Petrobras e ao aumentar o nível geral de competitividade, haverá uma consequente melhoria na eficiência e produtividade do refino realizado no país, no estímulo a futuros investimentos por novos agentes que entrarão no mercado por encontrá-lo mais aberto e atrativo e, assim, a taxa de investimentos no setor não ficaria comprometida como ficaria caso ficasse a cargo apenas da Petrobras, já que a empresa estatal passa por processos de reequilíbrio orçamental. Dessa forma, também se prevê uma diminuição nos gastos com juros da dívida da empresa em decorrência da desestatização.
Entretanto, é por meio dos processos de refino que se obtém os três principais tipos de combustíveis essenciais para a manutenção da vida contemporânea: diesel, gasolina e gás liquefeito. Nesse sentido, a privatização impacta diretamente a capacidade do Estado de influenciar e delimitar os preços desses produtos uma vez que a produção passará a ser fragmentada e controlada por outros agentes de mercado, e não do Estado, sendo muitos deles internacionais.
Esse processo também significa que o Brasil perderá, por meio de uma de suas maiores e mais significativas empresas estatais, a capacidade de agregar valor na produção de uma commodity valiosa para todo mundo e que não só possui em abundância, como também detém uma das mais avançadas tecnologias do mundo para explorá-la e produzí-la. Nesse sentido, a tendência é que o Brasil aumente o volume das exportações de petróleo cru assim como das importações de derivados, mas em contrapartida, devido à diferença de valor agregado nos dois produtos e à possíveis volatilidades no mercado internacional de commodities, a probabilidade é que haja um déficit econômico entre essas transações comerciais como resultado. Em outras palavras, há uma redução da eficiência da empresa em nome dos mecanismos de mercado, que se traduz em uma perda do controle da estatal sobre o mesmo quando ela faz o caminho inverso da maioria das empresas petrolíferas mundias, que é a desverticalização.
Em síntese, essas medidas além de não conseguirem garantir a geração de caixa que propõem inicialmente, pois não mais permite que os preços mais altos e estáveis de produtos refinados compensem os preços mais baixos decorrentes da volatilidade característica do mercado da commodity, acabam colocando a Petrobras em uma posição de vulnerabilidade no mercado no longo prazo ao também comprometer sua capacidade de gerar investimentos na cadeia de petróleo, gás e renováveis e de reduzir sua dívida em última instância.
Por fim, destaca-se que a Petrobras passou por várias mudanças nos últimos anos que colocaram as políticas da empresa alinhadas às politicas econômicas de cunho mais liberal características do governo vigente, à exemplo da (não) política de preços que segue e internaliza as ondulações dos preços internacionais e da moeda nacional, e torna o preço da produção nacional equiparável e até mais caro que os custos de importação, da criação do novo mercado de gás natural, que tira o monopólio da estatal sobre o produto e da permissão do STF para que a Petrobras venda suas subsidiárias sem necessidade de aprovação do Congresso. A questão central é que, embora muito da discussão das privatizações no setor de refino gire em torno de argumentos políticos e econômicos, há também uma dimensão estratégica que fica negligenciada com o processo de desestatização, ainda mais quando se trata de um recurso estratégico como o petróleo. Quanto mais o recurso e a infraestrutura destinada à ele são passadas para mãos estrangeiras, mais o desenvolvimento da indústria e economia nacionais ficam comprometidas com a diminuição da participação da empresa estatal no mercado nacional.
Texto por Maria Bragaglia, pós-graduanda em Direito da Energia pelo CEDIN.