Um pouco da história dos Direitos Autorais
Na Idade Média, a Igreja Católica dominava em todos os aspectos sociais e também controlava a literatura em geral decidindo quais documentos escritos seriam permitidos e quais seriam extintos e queimados. Em face disso, várias obras de: filosofia, literatura, teatro e diversas áreas do conhecimento que foram escritas pelos romanos e gregos foram perdidos, por que não estavam de acordo com os dogmas da Igreja.
Os únicos livros que restaram, foram entregues aos monges que cuidavam e preservavam as obras.
Não era presente a ideia de que a obra pertencia unicamente a quem escrevia e sim que pertenciam exclusivamente a Deus e este era autor de todas elas.
A forma de organização social e econômica na Idade Média era o feudalismo. A população vivia em grandes propriedades rurais que eram autossuficientes. Esta organização social enfraqueceu como surgimento dos reinos de Portugal, Espanha e Inglaterra e também com a criação da imprensa por Johannes Gutenberg em meados do século XV.
Antes da invenção de Gutenberg para se copiar um livro, era preciso de um escriba que copiava página por página a mão. Com esta invenção surgiram os impressores e os livreiros. Os primeiros eram responsáveis pela impressão dos livros e os segundos pelo comércio dos mesmos.
A prensa móvel era um investimento alto e que facilitou a cópia dos livros em consequência disso o controle das cópias foi perdido. Devido a este acontecimento os impressores clamaram ao Estado para que intervisse para amenizar o problema então regime de privilégios.
O regime de privilégios era uma garantia econômica concedida aos impressores pelos monarcas. Tinha como objetivo proteger as atividades econômicas dos mesmos e garantir ao Estado e a Igreja o controle da atividade editorial, uma vez que para um livro ser impresso e vendido precisava da autorização do rei.
Direitos Autorais na Inglaterra
William Caxton introduziu a imprensa na Inglaterra no ano de 1476. O que inicia a profissão de impressor no país. No ano de 1518 surgiu a printing patent que era o privilégio de impressão concedido pela Coroa Inglesa. Os privilégios cobriam vários tipos de livros desde bíblias a obras jurídicas. Eram vitalícios e aqueles referentes a apenas uma obra duravam de 7 a 10 anos.
O comércio de livros foi crescendo e no ano de 1557, os comerciantes receberam da rainha uma Royal Charter (autorização concedida pelo monarca britânico para a criação de empresas), com isto se transformaram na Company of Stationers of London que era responsável por assegurar o cumprimento das políticas oficiais de censura que existia a época devido as intensas disputas religiosas.
A charter concedia a stationers, o monopólio sobre o comércio de livros e assegurava a eles a exclusividade de imprimir e poderes nacionais de regulação. A stationers era uma corporação de oficio formada por três ofícios: bookbinders (encardenadores), printers (impressores) e os booksellers (livreiros). Possuía o seu próprio código de regulação, o stationer’s copyright que consistia no direito do impressor de copiar um manuscrito era diferente do direito de impressão. O objetivo de tal regulação era proteger os editores e o comércio de livros. Ainda sobre a Stationer’s Company Mizukami explica:
Em 1566, foi baixado o primeiro Star Chamber Decreeregulando a impressão, concedendo poderes de apreensão. O Star Chambers Decree of 1586, por sua vez, foi baixado como reação a problema derivados de uma concentração de poder monopolista nos anos 1580, no próprio interior da Stationer‘s Company. Como consequência do Decreede 1586 tornou-se obrigatório o registro e controle das imprensas, bem como restrição ao número de aprendizes, aumentando-se, assim, o grau de controle sobre os próprios meios de produção. O Star Chamber Decree of 1637reproduziu o conteúdo do decreto de 1586, mas o foco não era o controle da produção de livros via controle físico da imprensa: o objetivo era prevenir a publicação de “livros perigosos”, o que se fez a partir de novas disposições endurecendo o sistema de licenciamento e o regime de importação de livros. A Star Chamber seria dissolvida em 1641 pelo Long Parliament, mas o decree de 1637 seria ressuscitado por Charles II em 1662 na forma do Licensing Act. Durante o Intergnum, o Long Parliment(1640-1653) aprovaria uma ordinance em 1643, adotando uma abordagem mais similar à do Star Chamber Decree de 1586. Uma ordinance subsequente, em 1647 aproximar-se-ia, contudo do Decree de 1637, e foi o primeiro ato de censura que se endereçou, concomitantemente, tanto a autores quanto impressores. Uma ordinance de 1649, por fim seria modelada. Diretamente a partir do Decreede 1637, mas menos detalhada. Provavelmente por motivo de insatisfações com a prática da censura, a ordinance de 1649 foi aprovada com prazo de duração limitado: só vigeria por 2 anos, cessando em 1651. Sobreveio, entretanto, o Act of 1653, aprovado, com o intuito de renovar a ordinance de 1649. Estabeleceu- se então uma estratégia seria retomada pelo Licensing Act: fixação de prazos limitados para vigência de leis de censura, mas sujeitos a renovação periódicas. Depois da restauração, com o retorno de Charles II, ao trono em 1660, foi aprovado o Licensing Act de 1662. O Act adotou explicitamente o sistema das renovações periódicas, o que ocorreu até 1694, quando o ato não foi renovado por decisão da House of Commons. (PATTERSON, 2004, apud MIZUKAMI, 2007, p.257, 258).
A censura era um instrumento muito importante para a Stationer’s Company, para continuar o monopólio do mercado de livros na Inglaterra. Em 1694, o Licensing Art não foi renovado o que gerou uma demanda por uma legislação especifica e então em 1710, surge o Estatuto da Rainha Ana.
O Estatuto da Rainha Ana, entrou para a história como a primeira legislação em que o autor figura como ente passível de direitos sobre a sua obra. Ele conferia não somente ao editor, mas também ao autor o direito de exclusividade sobre a sua obra pelo período de 14 anos.
O projeto foi proposto pelo deputado Edward Wortley Montagu, e tinha o objetivo de atender aos interesses financeiros da burguesia representados pelos livreiros e impressores.
O projeto protegia o direito de cópia dos livros impressos e também garantia o direito de reprodução e publicação, para quem possuísse a devida autorização. Havia sanções para quem publicasse, importasse ou vendesse obras sem o consentimento do proprietário. Quem infligisse à norma perdia os livros contrafactados e pagava multa para a coroa inglesa e para o autor.
Portanto, o Estatuto da Rainha Ana regulava o comércio de livros e conferia uma maior proteção para a publicação da obra e não para a criação da obra. Mas constitui um marco histórico porque constitui a base para o nascimento do sistema de direitos autorais inglês o copyright.
Rafaela Medeiros
Monitora da Pós-graduação em Direito dos Contratos pela Faculdade CEDIN.
Bibliografia:
ALGARVE, João Henrique Kurtz Amantino Rodrigues da Silva. O copyright,o direito de autor e seus reflexos no direitos internacional privado:uma analise do caso John Houston.2010- Trabalho de Conclusão de Curso ( Bacharelado de Direito)- Universidade Federal do Rio Grande do Sul,Porto Alegre-2010.Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/27013 Acesso: 20 de Set 2020.
FERNADES, Cláudio, Invenção da imprensa. Disponível em: https://www.historiadomundo.com.br/idade-moderna/invencao-imprensa.htm Acesso em: 16 de Set 2020.
MIZUKAMI, Pedro Nicoletti. Função social da propriedade intelectual: compartilhamento de arquivos e direitos autorais na CF/88. 2007. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007. Disponível em: https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/7613/1/Pedro%20Nicoletti%20Mizukami.pdf. Acesso em: 20 Set 2020.
MORAES, Rodrigo. Os direitos morais do autor: repersonalizando o direito autoral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.