CLUBES-EMPRESA NO BRASIL: DO SURGIMENTO À PROMULGAÇÃO DA LEI 14.193/21.
CLUBES-EMPRESA NO BRASIL: DO SURGIMENTO À PROMULGAÇÃO DA LEI 14.193/21.
“Sociedade Anônima do Futebol”. Expressão frequente nos debates esportivos dos dias atuais, por vezes tratada como temática exclusivamente contemporânea, a referida discussão sobre a estruturação societária dos clubes de futebol ocorre recorrentemente tanto no Brasil quanto em diversos outros países há bastante tempo.
Inicialmente, deve-se ressaltar que no começo da prática do futebol pelas instituições no Brasil não fazia sentido uma agremiação funcionar semelhantemente às empresas. A ideia que permeia o esporte não se atrelava ao profissionalismo, ao passo que os atletas eram amadores e as equipes se financiavam através de seus clubes sociais.
À medida que o profissionalismo avançava em terras brasileiras, os clubes precisavam se organizar e movimentar fontes de receita. Iniciou-se a venda de ingressos e, posteriormente, com o passar dos anos, os patrocínios e as transmissões televisivas, contextos que propiciaram discussões acerca do modelo empresarial para os clubes.
Deve-se considerar que a ideia dos “Clubes Empresa” não surgiu recentemente, tendo sido cogitada no Brasil pela primeira vez em meados dos anos 1970, com inspiração nos times ingleses e italianos, que de forma embrionária tratavam do tema, tendo se intensificado a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, que trouxe em seu artigo 217 autonomia para os clubes organizarem suas atividades da forma que lhes fosse mais conveniente, e se concretizou em 1993, com o advento da Lei Zico, dispositivo que pela primeira vez em território nacional admitiu que os clubes deixassem de ser associações e se constituíssem societariamente como empresas.
Por outro lado, em 1998 foi instituída a Lei 9.615/98 (Lei Pelé), que trouxe em seu artigo 27 a obrigatoriedade dos clubes em se tornarem sociedades empresárias, disposição que passou a inexistir pouco tempo depois, por ser considerada inconstitucional, em razão da incompatibilidade com o artigo 217 da Constituição, supramencionado.
Os primeiros clubes a se valerem das novidades legislativas foram o CFZ, clube de propriedade do ex-jogador do Zico; o União São João de Araras, que figurou na Série A por pouco tempo; O UNIBOL, clube pernambucano fundado em 1996, que visava praticar uma proposta inovadora, investindo na educação de seus atletas; o Malutrom, equipe paranaense que se profissionalizou em 1998 e chegou a disputar as fases eliminatórias da Copa João Havelange em 2000. Em comum as equipes supracitadas tiveram inícios promissores que acabaram não se consolidando.
Outros exemplos emblemáticos dos primórdios dos clubes empresa no Brasil são Bahia e Vitória, equipes tradicionais que em 1998 se constituíram como empresas, sem, no entanto, atingirem trajetórias de sucesso através das referidas operações, por diversos fatores, dentre eles a ausência de preparação para suportar a incidência de carga tributária diversa da ocorrida para com as associações, que se beneficiam de imunidades e isenções fiscais, hipótese que contribuiu para que a experiência não fosse positiva.
Nesta toada, deve-se ressaltar que a alteração da estrutura societária por si só não é capaz de reestruturar um clube de futebol profissional, de maneira que não se deve vislumbrar a referida operação como a resolução dos problemas administrativos e financeiros existentes, devendo ser tratada como uma das opções plausíveis rumo à evolução, servindo como instrumento de organização, privilegiando o saneamento de dívidas e profissionalização dos departamentos do clube.
Neste sentido, é válido ilustrar as ideias aventadas com um dos modelos que se consolidou no futebol europeu, qual seja, o praticado na Alemanha, com o chamado “50+1 (cinquenta mais um)”, em que se busca manter os ideais associativos, sendo 51% (cinquenta e um por cento) de propriedade da associação, que será acionista majoritária, e os outros 49% (quarenta e nove por cento) a serem negociados com investidores.
Outrossim, no Brasil, foi promulgada em 2021 a Lei 14.193/2021, que concebeu a denominada “Sociedade Anônima do Futebol”, título específico do futebol, que faculta aos clubes a alteração societária através da abertura de novo número de CNPJ e dispõe sobre direitos e obrigações exclusivos às equipes que aderirem ao modelo.
Destarte, caso opte por se tornar uma “SAF”, o clube gozará de um regime tributário específico, em que pagará mais impostos que uma associação civil sem fins lucrativos, mas menos que uma empresa “comum”, sob um montante que perfará 5% (cinco por cento) sob a receita total, exceto valores de transferências, devendo, no entanto, a partir do 06º (sexto) ano pagar 4% (quatro por cento) sobre as receitas, incluindo desta vez as verbas de transferências, ocasião em que diminui-se a alíquota paga pelas instituições e teoricamente aumenta a receita do poder público, em razão da possibilidade de ocorrerem transferências que envolvem quantias vultuosas.
Nesta esteira, tem-se que um dos principais objetivos da lei é atacar o endividamento massivo dos clubes brasileiros, tendo em vista que os times mais rentáveis do mundo mantêm suas dívidas em patamares contornáveis.
Com intuito semelhante, a norma prevê a permissão de adesão ao Regime Centralizado de Execuções, mecanismo que permite a renegociação, de maneira unificada, de dívidas trabalhistas e cíveis, através da destinação de parte da receita mensal dos clubes para o pagamento destes débitos, inicialmente em um prazo de 06 (seis) anos, prorrogável por mais 04 (quatro) anos, caso o devedor tenha pago no mínimo 60% (sessenta por cento) das dívidas no fim do sexto ano.
Deve-se ressalvar que os clubes que não aderirem à “Lei da SAF” estão aptos a utilizarem este artifício, ainda que sem serem Sociedades Anônimas do Futebol, medida que repercute de forma polêmica entre legisladores e juristas, haja vista que, teoricamente, o fim a que se propõe o dispositivo legal estaria sendo desvirtuado.
Ademais, a partir do advento das Sociedades Anônimas do Futebol no Brasil surge uma oportunidade de evolução para os clubes que venham a aderir à estrutura supracitada, no tocante às searas administrativa, organizacional e societária, de maneira que a correta utilização dos mecanismos previstos na lei pode ser extremamente benéfica para as instituições e para o esporte de forma geral, representando, em tese, o início de uma era de cada vez mais profissionalismo e credibilidade.
Bolsista: Vitor de Araújo Evangelista
Centro de Estudos e Pesquisas em Negócios no Esporte e Direito Desportivo.
MBA em Negócios no Esporte e Direito Desportivo.
Instagram: @vitordearaujo98
LinkedIn: https://br.linkedin.com/in/vitor-de-ara%C3%BAjo-1628ab208
Data: 14/03/2022.